Com o advento da Lei n.° 11.304/2006, apelidada de “Lei Maria da Penha”, alguns operadores do direito passaram a sustentar a inconstitucionalidade do novel regramento legal, ao argumento de que a indigitada lei fere tanto o princípio constitucional da igualdade formal entre homens e mulheres, como, também, o princípio infraconstitucional da proporcionalidade das reprimendas criminais, sendo certo, todavia, veicular que ditos argumentos não podem prosperar, de vez que seus artífices laboraram, senão, de forma, minimamente, inadvertida, então, no todo, desarrazoada, porquanto a questão não é de inconstitucionalidade, mas sim de ação afirmativa do Estado em prol de um segmento social, historicamente, aviltado pela indolência das leis, pelo descaso das autoridades públicas e pela cumplicidade criminosa dos homens, na subjugação, desumana, das mulheres, cujas marcas, dores e prantos acalentados no curso de uma existência marginal forjada de renúncia, sofrimento e indiferença, não logrou sensibilizar o coração masculino, mas ecoou, sobre a soleira do princípio da razoabilidade, travestida de medida protetiva, aninhada no texto feminino da lei.
Olvidaram, por certo, os preditos exegetas, que não há igualdade, formal, entre pessoas, naturalmente, desiguais, tanto que a própria Constituição Federal, no seu art. 3.°, tributa aos poderes públicos a obrigação de igualizar os desiguais, através da edição de normas assecuratórias dos direitos e garantias individuais, sob a indumentária de leis temáticas específicas, que emprestam tratamento diferenciado aos mais débeis, tal qual: infantes e jovens, via do Estatuto da Criança e do Adolescente e, mulheres vitimizadas por violência na ambiência doméstica, familiar ou íntima, através da lei guerreada, para efetivação de uma ordem social igualitária, calçada no respeito às qualidades, diferenças e limitações do ser humano, independente de sua rotulação ou catalogação como homem, mulher, criança ou adolescente.
O mesmo, aliás, se diga, quanto a seara infanto-juvenil, em que suas leis, no mais das vezes, meramente, programáticas e/ou panfletárias, poderiam/deveriam ser vertidas em políticas públicas governamentais, se e desde que paridas, nas suas respectivas instâncias federal, estadual e municipal, de um programa de governo sério, responsável e comprometido com seus projetos de gente, regurgitando, então,dos mortificados pirralhos, pixotes, trombadinhas, delinqüentes juvenis e cheira colas mirins, as matrizes superavitárias da cidadania, enquanto geratriz de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, sublimada do latim “matrice” que, a propósito da temática encimada, etimologicamente não derivou outra, senão, a palavra matriz, órgão das fêmeas - sempre elas – onde se gera o feto, a vida, o ser humano.
Do quanto visto, não se há querer cogitar que, na falta de salvaguarda legais ou, na inapetência gerencial das caricatas políticas públicas oficiais ou, mesmo, na inaptidão, pessoal, para promoção da dignidade humana, do bem-estar coletivo e da disseminação da paz e justiça social, a legislação ordinária supletiva se arvore de mero apanágio burlesco do país dos bacharéis, mas sim de extremado instrumento de inclusão social da legião dos excluídos da proteção oficial do Estado, daí a importância histórica, evolutiva e, socialmente, pragmática, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei Maria da Penha, entre outras tantas normas cambiantes, de incomensurável apelo humanitário, tendente a romper não, apenas, com a concepção patriarcal e milenarmente civilizada do feminino, enquanto “subespécie” e/ou “subproduto” da “espécie masculina”[“ ”], do gênero humano, mas, sobretudo, para ressoar o grito libertário do silêncio dos inocentes, traduzido nos inclusos excertos.
Juiz de Direito