URÂNIO NO AMAPÁ
Até agora não deu em nada e a população pergunta: Será verdade ou MITO.
Perigo no Amapá
09/05/2006
CB, Brasil, p. 11
Perigo no Amapá
PF investiga o comércio ilegal de minério radioativo descoberto na Serra do Navio: a torionita, rica em tório e urânio. Cnen avalia os riscos de contaminação, já que crianças vêm manipulando o material
Amaury Ribeiro Jr.
Enviado Especial
Serra do Navio (AP) - Às margens de um afluente do Rio Araguari, a duas horas de barco da Serra do Navio, no Amapá, se esconde a mais recente descoberta geológica do país: a primeira reserva de torionita, um minério com alto índice de tório - elemento químico radioativo usado na fabricação de bombas. Ela foi localizada no Parque Nacional de Tumucumaque. Apesar da boa notícia, não há motivos para comemorações. Embora a exploração de minério radioativo seja monopólio da União, a reserva está sendo dilapidada e comercializada clandestinamente por garimpeiros, comerciantes e doleiros da região.
A ação dos contrabandistas, que fere o princípio da soberania nacional, estabelecido pela Constituição de 1988, está sendo investigada pela Polícia Federal do Amapá, pelo Serviço de Inteligência do Exército (Ciex) e pela Agência Brasileira de Informações (Abin). A Justiça Federal decretou o sigilo nas investigações, acatando o pedido do delegado da PF que preside o inquérito, Luis Carlos Nóbrega Nelson. Temendo um eventual risco de contaminação, técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) se deslocaram para o Amapá onde tentam conscientizar os moradores da região a ficarem longe do minério radioativo. Além de apresentar uma concentração de 75% de tório, a torianita é composta ainda por 7,8% de urânio, outra substância química utilizada na indústria nuclear.
A rota do contrabando do material radioativo ainda é desconhecida pela Polícia Federal. Por ser proibido, o comércio da torionita, que oficialmente até hoje não integra a lista dos metais encontrados em solo brasileiro, é praticamente inexistente no país. Isso vem dificultando o trabalho da polícia em localizar os eventuais compradores do material radioativo.
Mas comerciantes e moradores da região apontaram ao Correio Braziliense duas pistas que indicam o destino final do minério: a torianita estaria sendo vendida a empresas siderúrgicas do país , misturada à tantalita (minério usado como liga nas indústrias de ponta) ou contrabandeada, por meio de avião e embarcações clandestinas, para a China e Guiana Francesa, território governado pela França na divisa com o Amapá. Essa hipótese é respaldada pelo fato de França e Índia serem os únicos países a possuirem tecnologia para o enriquecimento do tório, de onde é extraído o chumbo 206, substância química usada na blindagem de bombas de nêutron.
A tecnologia de enriquecimento do tório ainda é desconhecida no Brasil. A Indústria Nuclear Brasileira (INB), estatal que detém o monopólio para a exploração de minérios radioativos, somente possui reatores de enriquecimento do urânio, que é extraído no meio de outros minerais na Reserva de Catité, na Bahia.
Infiltração
As investigações sobre o contrabando de torianita foram desencadeadas por agentes do Serviço de Inteligência, que, infiltrados como compradores, já conseguiram apreender cerca de 1,5 tonelada do minério radioativo. O último cerco da Polícia Federal contra o contrabando ocorreu em 23 de março, quando os agentes federais conseguiram localizar 560kg do minério moído. O material foi enterrado na casa do vigia Estevão Nascimento, localizada no município de Porto Grande, a 100km de Macapá. O vigia trabalha na prefeitura do município e conseguiu escapar do cerco policial .
"Não sabia que o minério estava enterrado na minha casa", disse Nascimento ao Correio. Ele responde ao processo
"Comprei o minério por R$ 5 mil pensando que era tantalita e guardei o material na casa do vigia, enquanto aguardava por um comprador", relatou o garimpeiro, solto por determinação da Justiça. Ele também responde ao processo
A polícia apurou que desde 2002 o minério radioativo encontrado na casa do vigia era manipulado por crianças do município. Acionado pela PF, técnicos da Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear da Cnen do Rio foram deslocados para a área para recolher o minério. O material radioativo foi transferido em latões lacrados em um avião das Força Aérea Brasileira para um laboratório da Cnen em Poços de Caldas (MG). O mesmo destino teve também outros 830kg de torionita apreendidos pela PF em agosto de 2004
A história do material radioativo é contada nos principais bares de Porto Grande e Santana. Segundo os moradores da região, a torianita foi encontrada por acaso na década de 90 em um garimpo próximo ao Rio Araguari, por um misterioso comerciante judeu identificado apenas como "Kelgman". De acordo com o relato dos moradores, o comerciante levou a amostra do minério a um geólogo, conhecido como Alessandro Pinduga, na Serra do Navio, que teria pela primeira vez identificado e classificado o material como torianita.
A reportagem do Correio conseguiu localizar
Reservas mais ricas
O tório é encontrado em vários minerais como torita e monazita. Para separá-lo dos minerais, prepara-se primeiramente o cloreto, do qual, por eletrólise, separa-se o tório metálico. O tório tem elevada densidade, poucas propriedades metálicas e custo relativamente alto. É usado na preparação de fios de tungstênio e de materiais refratários, mas sua maior utilização, além do campo nuclear, é na tecnologia do magnésio. O tório 232 é, depois do urânio, o elemento mais importante na indústria nuclear, por sua fertilidade. Irradiado com nêutrons lentos transforma-se, através de algumas reações nucleares, no isótopo físsil do urânio-233, um combustível nuclear. Calcula-se que as reservas mundiais de tório põem em disponibilidade uma quantidade de energia superior àquela de todas as reservas juntas de urânio, petróleo e carvão.
"Sem motivos para pânico"
O diretor de Radioproteção de Segurança Nuclear da Cnen, Altair Alves de Souza, disse que o material radioativo encontrado no Amapá apresentou o índice de radiatividade em torno de 0,17 msv no período de 10 horas. Esse número é quase 20% do índice máximo de radioatividade (1 msv) no qual, segundo as recomendações técnicas, uma pessoa deve ser submetida durante todo um ano inteiro. Ou seja, é só fazer as contas para se concluir que qualquer pessoa que ficar exposta mais de seis dias com a tarionita moída corre o risco de sofrer conseqüências graves no futuro devido à irradiação.
Souza garante, no entanto, que não há motivos para alarme. Segundo ele, por ter sido encontrada em seu estado natural, a toranita não tem capacidade, por exemplo, para provocar um acidente radioativo da mesma proporção ao ocorrido em 1987 com o césio 137 em Goiânia (GO), que matou várias pessoas. O pesquisador explica que os moradores da região não correm risco de sofrer seqüelas futuras, caso não se arrisquem a manusear com certa freqüência o minério radioativo.
Segundo Souza, os moradores da região estão sendo orientados por meio de palestras e cartazes a não explorar o material . Segundo ele, as palestras tentam também evitar que haja um clima de pânico na região. "Procuramos mostrar que essa reserva de torianita é uma grande riqueza que deve ser preservada para o futuro, quando o Brasil pode tirar algum proveito com o tório", explica.
O pesquisador não acredita também que o tório e o urânio estejam sendo contrabandeados para a fabricação de armas nucleares. "Quem busca esse tipo de material radioativo no câmbio negro procura certamente a Rússia, que desmantelou praticamente toda a sua indústria nuclear", esclarece.
O tório é encontrado em quantidades pequenas na maioria das rochas e solos, onde é aproximadamente três vezes mais abundante do que o urânio, e é aproximadamente tão comum quanto o chumbo. Ele ocorre em diversos minerais, sendo o mais comum o mineral de terra rara de tório-fosfato, monazita, que contém até 12% de óxido de tório. Há depósitos substanciais em vários países. (ARJr.)